quarta-feira, 13 de maio de 2020

A crise no mercado financeiro e o COVID-19 - Prof. Henry Siro Evrard

Quando o Ibovespa (principal índice da bolsa de valores brasileira) estava próximo dos 120 mil pontos, eu falava para uma amigo meu que, uma queda para os 80 mil pontos seria natural. Representaria uma queda ao redor de 30%. Não é nada de mais, considerando as oscilações normais da bolsa de valores.

Logo depois, apareceu as notícias do Covid e a bolsa caiu para 88 mil pontos rapidinho, em questão de poucas semanas. Pensei eu: pronto, chegamos na realização dos 30% que eu esperava. Mas logo começaram as informações de quão séria era a doença do coronavírus, e como, a partir daquele momento, teríamos algo realmente novo pela frente.

Logo entendi que a “queda normal de “30%”, não teria nada a ver com o que estávamos vendo no mercado. Chegamos na mínima de 63,5 mil pontos para o Ibovespa, e agora, depois de uma recuperação de 26% desta mínima, estamos voltando aos 80 mil pontos. 

Do topo até a mínima, o Ibovespa caiu ao redor de 48%. Exagero, será?

Os preços das ações não são mais do que as expectativas dos retornos futuros trazidas a valor presente por uma taxa de retorno. Se aumento o risco, vamos ver a taxa de retorno aumentar. Isso pode ser visto olhando a taxa de juros futura. Os títulos públicos, que representam no nosso contexto brasileiro, uma taxa de retorno livre de risco, aumentaram significativamente em relação ao momento anterior à crise.

A magnitude do efeito do risco sobre a remuneração dos títulos de longo prazo, você pode observar através das taxas dos títulos públicos. Do momento pré covid-19 até o momento, tanto as taxas indexadas à inflação quanto aquelas pré-fixadas, tiveram seu retorno aumentado em torno 1,2% ao ano – passando por um pico de 3% de aumento no pré-fixado.

Considerando, portanto, o aumento do risco, a gente justifica a queda do preço das ações por si só. Como aumentou a taxa requerida de retorno sobre todos ativos do mercado financeiro, os valores atuais destes ativos caem. Mas não é somente este fato que justifica a queda das ações. O que vamos ver é, provavelmente, uma queda pronunciada dos resultados das companhias para os próximos anos. E, consequentemente, uma queda da taxa de crescimento dos resultados das companhias.

Assim, os 48% de queda na bolsa de valores já começa a fazer mais sentido. Além de uma queda natural de preços que, no curto prazo, poderiam ter extrapolado um pouco para cima. 

Agora temos um cenário muitíssimo especial. Mas, em última instância, a pergunta que precisamos responder é: será que o preço se justifica?

Então, vamos fazer um exercício de trás para frente. Qual seria o crescimento e a taxa de desconto e de crescimento justificável para que tivéssemos o Ibovespa a 120 mil pontos, e qual a taxa de retorno e crescimento que justifica o Ibovespa de 80 mil pontos? Respondida a estas questões, nós poderemos dizer que o mercado, em geral, caiu excessivamente ou não. E como isso, responder a pergunta: vale a pena entrar em ações agora?

Para simplificar o cálculo, eu vou desconsiderar o caixa das companhias. Eu sei que isso pode levar a um erro nas estimativas, mas para agilizar as contas vou correr o risco deste erro.

Bom, vamos lá... para saber o P/L do Ibovespa, teríamos que fazer um cálculo com todas as empresas do índice... um pouco complicado. Vamos usar uma notícia que fala de um relatório do Itaú, falando de P/L , em começo de fevereiro de próximo de 14 x. Naquela época, o Ibovespa circulava em torno de 115 mil pontos. Pois bem, vamos usar estes números para nossas estimativas. Considerando tais dados, quais expectativas de retornos e crescimento para justificar um P/L de 14 ?
PL= 1i-g

Portanto, um P/L de 14 é justificável por um denominador de 7,14%. Esse denominador é o resultado de i, sendo este a taxa de desconto, e g, sendo este a taxa de crescimento. Nesta época , a taxa livre de risco estava em torno 6,6% (conforme gráficos de título público pré fixado acima). Considerando uma taxa de retorno adicional de algo em torno de 5% (expectativa de ganho adicional por investir no mercado) , teríamos uma taxa de retorno de 11,6%. Agora, para chegarmos no denominador de 7,14%, conseguimos observar que o crescimento esperado para os lucros eram de 4,5% ao ano. 

Ora, se a expectativa do crescimento do PIB, no Brasil, tem girado em torno de 2% (e isso significa um crescimento real, ou seja, acima da inflação), e a inflação, pela meta do BC, é algo em torno de 3,5%, temos que se as empresas seguirem o crescimento do PIB, não é nada incomum você ver um de crescimento dos resultados na ordem de 4,5% ao ano.

É certo que temos o problema das necessidades dos reinvestimentos dos lucros para chegar nos crescimentos atuais, mas para fins de simplificação, vamos desconsiderá-los e sermos benevolentes com o nosso querido Ibovespa. Seja como for, uma possibilidade de “justificativa” para o Ibovespa no cenário pré-covid era:

Justificativa para precificação de Ibovespa a 115 mil pontos


Ativo Livre de risco
Prêmio Mercado
i
g
i-g
P/L
6,60%
5%
11,60%
4,45%
7,15%
13,99
6,60%
4%
10,60%
3,45%
7,15%
13,99
6,60%
3%
9,60%
2,45%
7,15%
13,99

Se para você, algum cenário desta tabela, considerando o retorno (i) e crescimento (g) fazia sentido na época pré covid, então poderia ficar à vontade para comprar o Ibovespa naquele momento.

Agora, vamos à análise do Ibovespa aos 80 mil pontos. Considerando a mesma base de lucros de início de fevereiro, o P/L do Ibovespa agora estaria a 9,8. 

Para entendermos o que “está no preço”, vamos botar em prática a nossa formulazinha mágica:

PL= 1i-g

Agora, para chegar a um P/L de 9,8, o resultado do denominador (sendo este o resutaldo da taxa de retorno menos a taxa de crescimento) teria de ser 10,25%. 

Como taxa livre de risco, não podemos usar os mesmos 6,7%, mas algo como 7,7%, por conta da elevação da taxa dos títulos públicos. Se adicionarmos um valor de 5% de prêmio de mercado, estamos falando de uma taxa de retorno esperada mínima de 12,7%. Bom, para chegarmos ao denominador da equação de 10,25%, então o crescimento esperado teria de ser de 2,4%.

Podemos, então, entender que os cenários a seguir “justificariam” o preço do Ibovespa nos valores atuais de 80 mil pontos:

Justificativa para precificação de Ibovespa a 80 mil pontos


Ativo Livre de risco
Prêmio Mercado
i
g
i-g
P/L
7,70%
6%
13,70%
3,45%
10,25%
9,76
7,70%
5%
12,70%
2,45%
10,25%
9,76
7,70%
4%
11,70%
1,45%
10,25%
9,76

Então a pergunta é: vale a pena ou não vale a pena comprar o Ibovespa, hoje? Bom, aí é contigo. Se algum dos cenários de retorno (i) e crescimento (g) da tabela acima fizerem sentido para você, como, por exemplo, na segunda linha: se você fica satisfeito com um retorno de 12,7% considerando que os lucros das companhias vão crescer 2,45% , be my guest, e aproveite para colocar uma parte da sua polpuda finanças no nosso mais querido índice de bolsa brasileira, o Ibovespa.

Você pode fazer isso comprando o ETF Bova11. Só digitar o código BOVA11 aí no seu homebroker, e meter o dedo no gatilho. Ou, se este cenário não te apetece, você pode arredar o pé, e manter o dinheiro longe do risco, ou ainda, coisa que me agrada muito, escolher algumas ações específicas, e não investir no Ibovespa como um todo. Mas aí é outra conversa, para outros dias. 

Uma pergunta que te faço, e que é difícil de responder: o efeito do Covid sobre o resultado das empresas é quão passageiro? Se for coisa de 1 ano, 2, de repente, uma queda de 2% no crescimento para a perpetuidade, é um exagero. Mas se for um efeito que acompanhará as empresas pela próxima década ou duas, aí começa a fazer sentido os preços que vemos no mercado financeiro hoje.


Prof. Henry Siro Evrard

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