quarta-feira, 10 de junho de 2020

Espiritualidade Aplicada na Corporação.

Autora: Emanoely dos Santos - monitora da disciplina de Fundamentos da Administração do Unicuritiba, com a supervisão da professora Monica de Faria Mascarenhas e Lemos

O Egito Antigo foi o palco de uma das mais importantes civilizações da antiguidade, no topo de sua sociedade encontrava-se o Faraó, venerado como um verdadeiro Deus. É evidente o quanto a espiritualidade, que pode ser definida como uma "propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o tangível, à procura de um sentido de conexão com algo maior que si próprio" (GUIMARÃES, 2007), fica evidente na sociedade egípcia. Afinal, a dedicação e inspiração para a construção das belas pirâmides provinham de uma das mais antigas aspirações humanas: a imortalidade.

Ao olharmos esse exemplo, de grandes túmulos exuberantes para o governador do Egito, construídos na esperança de que haveria uma ressurreição, fica difícil enxergamos um paralelo com nossa sociedade atual. Contudo, percebemos que esse desejo pela eternidade, nunca nos deixou, e na verdade, nos impulsiona. Construímos grandes e exuberantes organizações, projetos e monumentos, e embora não havendo uma crença generalizada de que nosso representante de Estado um dia irá ressuscitar dos mortos, como servos egípcios continuamos nos dedicando à construção e manutenção de nossa sociedade, nossa cultura e nossas ideologias, na esperança de nos tornarmos mais duradouros do que nossa própria vida.

No livro Imagens da Organização, baseando-se no trabalho de Ernest Becker, o autor, Gareth Morgan (1996), discorre mais sobre o assunto: "Entre todos os animais, somente os homens têm consciência a respeito do fato de que vão morrer e são obrigados a passar suas vidas tendo o conhecimento do paradoxo entre capacidade de transcendência espiritual, quase divina, e existência dependente de uma estrutura finita de carne e ossos que, em última análise, irá sucumbir e desaparecer. [...] Esta perspectiva sugere que é possível compreender organizações e muito do comportamento dentro delas em termos de uma busca por imortalidade. Ao criarmos organizações, estamos criando estruturas de atividades que são maiores do que a vida e que, frequentemente, sobrevivem por gerações. E, ao nos identificarmos com estas organizações, encontramos significado e permanência." Observamos então como o ser humano busca por significado e controle, na tentativa de mascarar sua mortalidade, há espiritualidade não somente em uma religião, ou em uma sociedade teocrática, mas em toda nossa cultura e principalmente dentro de nossas corporações. 

À luz do trabalho de Becker, o grande precursor da administração científica, Frederick Taylor, passa a ser apenas um homem controlador, com um caráter obsessivo e compulsivo, movido por uma necessidade de dominar os aspectos de sua vida, fugindo assim de sua própria fragilidade. Através dessa espiritualidade percebida no trabalho de Taylor, que tornou as organizações mecanicistas, o homem nega a realidade presente da morte, remetendo ela para o fundo do inconsciente, o que torna-o soberbo. Essa crítica à propensão humana por busca de conexão com algo maior que si próprio, encontrada nas organizações, se aplica àqueles que, conformados, vivem suas vidas baseadas em crenças limitadoras, vivendo de forma automática, sem ponderar suas ações e acreditando inconscientemente que fazem parte de algo grande, transcendente, que lhes dá segurança. Os “homens de primeira classe” se tornaram incapazes de questionar o sentido de suas vidas. E isto era bom para que a sociedade mantivesse seu ritmo, pois afinal, se houvessem pessoas críticas, subjetivas ou até mesmo criativas, todo o sistema poderia ser comprometido.

Se, porém, a espiritualidade resulta da falta de humildade em reconhecer sua vulnerabilidade diante de um mundo complexo e sem respostas, poderemos encontrar novos significados ao enfrentar nossas sombras, ao considerar nossa própria insuficiência, e ao vermos que nossa realização como seres humanos depende de algo maior que as tarefas realizadas em uma linha de montagem ou em metas em um escritório. O sentimento de pertencimento não pode ser extinguido, mas reconsiderado com humildade, afinal, conscientes ou não, somos movidos por motivações intrínsecas que nos fazem evoluir ou regredir. Falo da busca por novos propósitos e significados de vida, que não mais tentam buscar respostas e simplificações para controlar e confortar o próprio ego e arrogância humana, mas sabendo que pelo fato de ser uma estrutura finita de carne e ossos que, em última análise, irá sucumbir e desaparecer, busca então, pelos melhores significados de existência.

Em um mundo cada vez mais tecnológico, instável e complexo, onde os trabalhos manuais cada vez mais estão sendo substituídos por máquinas e softwares, e onde cada vez mais nossa fragilidade e mortalidade é exposta, o ato de continuarmos nosso ritmo de consumo e produção nos dá a sensação de que controlamos muito mais do que realmente controlamos, quando nos deparamos com as imprevisibilidades, como um caso de força maior que interrompe nosso modo automático de vida, podemos então considerar nossa própria alma, nossa forma de se relacionar com meio ambiente e com os demais seres, e nossas reais motivações, passando a escolher em quais alicerces basearemos nossas atitudes, nos tornando cada vez mais humanos. 

Quando o Faraó morria, ele era enterrado com todos os seus bens acumulados: ouro, joias, comida, armas, tronos e roupas, só na sepultura de Tutancâmon foram achados mais de 5 mil objetos. Ele passava a vida construindo seu túmulo, que por vezes era saqueado, itens perecíveis que eram consumidos, e o que restou para nós disso foi o conhecimento arqueológico, pontos turísticos e curiosidade. De tudo que dedicou sua vida, o que mais nos interessou em toda uma sociedade foram suas obras, aquilo que cada pequeno egípcio, pedra por pedra construiu, contudo, não saberemos se seu objetivo de transcendência, executado debaixo do trabalho forçado, acumulação e desigualdade, foi atingido. 

O que nos faz pensar, estamos juntando números, cédulas, patrimônios, entre outras coisas, muitas vezes para nossa própria tumba, portanto, deveríamos continuar a construir nossa pirâmide organizacional se isso significa passar por cima da nossa própria humanidade? Aquilo que a economia chama de externalidades, as consequências de nossas ações já no presente e como isso afeta o ambiente e pessoas mais vulneráveis, deveria nos levar à compreensão de que no fim das contas todos somos mortais, e então, veremos a importância de se escolher, dia após dia, onde depositar nossas crenças e força. Se no final, o que restará serão nossas obras, um escravo que, pedra por pedra, contribuiu para a construção de algo, mas que não perdeu em seu íntimo a compaixão, a humildade, a integridade e o amor, conseguiu trazer maior significado para sua existência do que um Faraó, que cercado de riquezas, esperava uma ressurreição. 



Referências:
⦁ GUIMARÃES, Hélio Penna. ⦁ «O impacto da espiritualidade na saúde física» (PDF). Rev. Psiq. Clínica.
⦁ MORGAN, Gareth (1996). Imagens da Organização.

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